domingo, 20 de janeiro de 2013

Os últimos da fila


Por causa do falecimento de uma tia querida, essa semana fiz um programa que há muito não fazia. Velório, cemitério, parentes, pessoas conhecidas e estranhos que não se encontram, exceto nessas horas.
Minha educação e meu pequeno conhecimento espiritualista me ensinam que velórios deveriam ser lugar de respeito, com mais reflexões e menos bate-papo. Procurando ficar mais no meu canto, me pus a pensar na famosa Dona Morte e o por que de nós, seres desse planetinha aqui, termos tanto medo dessa senhora. A verdade é que, apesar de diversas teorias sobre a danada, ninguém voltou pra contar como é que é lá do outro lado. Ou se pelo menos existe o outro lado. Ateus, crentes, católicos, espíritas, evangélicos, islâmicos, budistas...ninguém sabe ao certo o que esperar após a casquinha apodrecer e a pilha acabar. Por isso, acredito eu que, apesar da certeza que um dia ela vai bater na sua porta ou te mandar um SMS, ficam sempre as perguntas: Pra onde vamos? O que tem do outro lado? Quem vou encontrar?

Artistas em geral são pessoas de sensibilidade mais aguçada. Durante a história da humanidade, poetas, escritores, pintores e compositores sempre nos deram sua interpretação dessa infame passagem e, na grande maioria, sempre expressaram as mesmas dúvidas e temores que temos ainda hoje. 
Na música, desde os primórdios, e principalmente no rock, não é diferente.
E não falo aqui apenas do representante mais óbvio, o heavy metal - o filho bastardo, o mais feio e mais barulhento e ainda assim, um dos mais amados da prole do velhinho rock and roll. 
Desde os tempos do blues do Delta, passando pelos góticos e o new wave, e chegando até os extremos do death metal, a morte sempre esteve presente nas letras e temas de canções de várias referências e subdivisões do estilo.
O antepassado blues, com toda sua lamentação, tratava a morte e o sofrimento como uma punição para pecados cometidos, geralmente por causa de uma mulher ou um amor não correspondido. No final dos anos 60, o malucaço Jim Morrison escancarava as portas de sua sanidade com discursos de amores perdidos e mórbidas poesias, embalado por LSD, heroína, e tudo mais que o levasse mais depressa dessa para a melhor. No início dos anos 70, o Black Sabbath celebrava suas missas sonoras e invocava a morte e o sobrenatural, regados a sombrios riffs de guitarra; o fanfarrão Alice Cooper nos brindava com sanguinários shows e sugestivos títulos de álbuns e músicas ( "Killer", "Dead Babies", "I love the dead"); Page e Plant, do já consagrado Led Zeppelin, flertavam abertamente com o oculto, a alquimia e os magos. Os punks do final da década e os pós-punks do início dos anos 80, embutiam em sua revolta e rebeldia anti-sistema uma enorme frustração com a vida que levavam, quase que venerando a morte como consequência lógica de sua filosofia.

Mas foi com aquela já mencionada e pesada vertente do rock, perpetualizada a partir de 1980, que menções honrosas, citações, canções inteiras e títulos de álbuns homenagearam essa misteriosa e fascinante senhora. Nas guitarras cortantes e nas letras realistas do Judas Priest, nos escuros becos londrinos e nos personagens macabros retratados pelo Iron Maiden, nas épicas batalhas travadas pelo Saxon, e até na irresponsabilidade juvenil do "Live fast, Die fast" vindo do outro lado do Atlântico com os californianos do Motley Crue, a dona morte tornou-se o principal tema a ser encenado no teatro mundial do metal pesado. Dali pra frente, vários outros continuaram a venerá-la: Metallica, Slayer, Death Angel, Megadeth, Death, só pra citar alguns poucos.
Mas ninguém conseguiu retratar a morte de maneira tão sutil e inteligente do que um tal de Ronald James Padavona, um pequeno grande cara também conhecido como Ronnie James Dio
Desde seu reinado inicial no Rainbow, passando pelo Black Sabbath, e estendendo à sua homônima DIO, o homem da montanha prateada abordou as dúvidas, os questionamentos e dualidades existentes no universo, nos presenteando com pérolas como "A light in Black", "Rainbow in the dark", "Heaven and Hell", "The last in line", "Mystery", "After All", pra citar algumas. Liderando o Heaven and Hell e ainda no auge de sua carreira, descobriu-se um mero mortal, encarou frente a frente o dragão da enfermidade, lutou de pé e gritou na cara da morte até seu último suspiro.
"Too many flames with too much too burn
And life's only made of paper..."  - Over and Over - Black Sabbath

Quem de nós rockeiros, quando crianças perdidas, não desenhou um crânio em seu caderno , não colou um poster do  mascote Eddie em seu quarto e não se vestiu de preto ... Quem de nós, rockeiros ou não, nunca se sentiu no céu e no inferno da adolescência, não quis matar e morrer por um amor não correspondido... Quem de nós, acadêmicos adultos ou eternos beberrões, na calada da noite ou na correria do dia, nunca se perguntou, discutiu, ou se enlouqueceu pensando nela.
Por isso mesmo ela seja tão popular. Sempre nas notícias. Famosa, sorrateira, incontestável e certeira.
E quando ela chegar, aí sim. Vamos saber pela primeira vez se somos divinos ou se somos diabólicos. Nessa hora, nós somos os últimos da fila!

"We'll know for the first time
If we're evil or divine
We're the last in line" - The Last in Line - DIO




Trilha recomendada e utilizada na composição do texto:
Judas Priest - "Killing Machine", "The Ripper";  Iron Maiden - "Killers", "Prowler", "Purgatory", "Hallowed be thy name", "Die with your boots On"; Saxon - "Crusader"; DIO - "The last in line", "Mystery", "Lock up the Wolves"; Black Sabbath - "Over and over"; Ozzy Osbourne - "See you on the other side".

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